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No final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, a taxa de desemprego
era inferior a 5%. Vínhamos de um período de crescimento como nunca visto
antes. Algumas medidas econômicas eram necessárias devido à perda de fôlego do
PIB, por isso, as medidas propostas tão logo vencemos as eleições de 2014.
O que se passou a seguir todos conhecemos: Eduardo Cunha,
pautas-bomba, boicote no Congresso Nacional e na mídia, em especial na Rede
Globo, as ações no TSE pela recontagem de votos, o choro de Aécio e o financiamento
de supostas entidades populares que mobilizaram parcela da classe média, com
super cobertura da imprensa, na esteira dos protestos de 2013.
Como numa orquestra, cada músico assumiu seu papel de forma
a executar a melodia do impeachment. Uns, solistas, tocavam no momento certo
enquanto outros, coadjuvantes, harmonizavam a música para que soasse perfeita.
Tudo sob o comando do maestro, do regente, cuja
responsabilidade foi unir todos os instrumentos para que tocassem a mesma
partitura, para que o resultado fosse apoteótico.
Mas não foi exatamente isso que aconteceu. Ao que parece,
ainda ecoam trechos de notas musicais emitidas por solistas e coadjuvantes,
soltos, fora do tom e do ritmo, sem que o maestro consiga contê-los ou, pelo
menos, colocá-los na mesma sinfonia.
Desde o início do golpe tenho a sensação de que o maestro é um
profundo conhecedor do marketing social e político. Minha desconfiança é de que
seja alguém do mercado, da mídia, da TV; alguém que saiba compor um enredo de
novela, uma trama com chamadas para o intervalo que deixam uma expectativa para
o próximo capítulo. Quem entende de comportamento econômico e, com absoluta
confiança, é capaz de unir forças no mercado financeiro para alcançar seus
objetivos.
Cada um imagine quem quiser, mas é certo que houve um
comando.
Por partes.
A Lava Jato e suas
operações.
Teoricamente, o Ministério Público Federal do PR preparava
as investigações e as submetia ao Juiz Sérgio Moro, que as confirmava e remetia
à Polícia Federal. Eram colhidas provas através de busca e apreensão, grampos
telefônicos, interrogatórios. O MPF pedia a prisão dos suspeitos e Moro sempre
as confirmava. Todas as fases da Lava Jato seguiram o mesmo roteiro. E na
instância superior, no TRF-4, quase todas as decisões são confirmadas.
O Procurador Geral da
República Rodrigo Janot
Aparentemente, Janot não estava envolvido nas decisões dos
Procuradores de Curitiba. É de se supor que nem soubesse dos pedidos de
investigação, pelo menos, em detalhes. Como chefe da Procuradoria Geral, não se
manifestou após a desastrada exibição televisiva da acusação contra Lula com o
PowerPoint. Talvez nem soubesse da coletiva de imprensa convocada por Dalagnol
para o espetáculo que se produziu.
Rodrigo Janot sempre esteve à margem de todas as operações
da Lava Jato sem, entretanto, se distanciar do centro do processo. Era
necessário que ele pedisse ao STF a abertura de inquéritos quando o investigado
tinha foro especial. Deputados e Senadores petistas.
O Supremo Tribunal
Federal e seus 11 juízes
Como disse Mário Sérgio Cortela, talvez nenhum de nós saiba
dizer a escalação dos 11 jogadores que atuaram pela seleção brasileira no
último jogo do Brasil, pelas eliminatórias da Copa. Mas o nome dos 11 juízes do
STF, todos conhecemos. Nome e sobrenome.
O protagonismo dos magistrados da Corte Suprema nunca foi
tão evidente. Entrevistas em jornais e TVs, coletivas quase diárias,
manifestações de opinião frequentes, imagens nos telejornais, holofotes e
microfones.
Uns mais falantes que outros, mas todos, sem exceção, eram
personagens carimbados no Jornal Nacional desde a segunda campanha eleitoral de
Dilma Rousseff. Ainda antes da abertura do processo de impeachment, em 2016.
O Congresso Nacional
e Eduardo Cunha
Hoje se sabe, pela delação da JBS, que Cunha controlava boa
parte dos Deputados Federais comprando votos em dinheiro vivo. Mas, mesmo antes
da delação, todos sabiam do poder de Cunha no baixo clero da Câmara, comprovado
por sua eleição à Presidência da mesma Câmara com larga margem de votos.
E, também, logo após a chantagem explícita feita contra o
PT, para que a bancada não votasse pela abertura do processo de sua cassação no
Conselho de Ética da casa, que resultou na aceitação do processo de impeachment
contra Dilma.
Houve grande movimentação para que Deputados da base
parlamentar de Dilma a traíssem. De todos os partidos, em especial os do PMDB
de Cunha.
No Senado Federal, ocorreu o mesmo sob comando de Renan
Calheiros, PMDB.
A oposição
A oposição ao Governo agiu como oposição. PSDB, DEM e PPS se
mantiveram unidos ao PMDB, como era de se esperar.
michel temer
Talvez seja a figura menos importante na orquestra. Um
músico minúsculo que pouco tocou, duas ou três notas, apenas. Nunca teve
envergadura política para ser solista. Muito menos, regente.
Decorativo, marionete, protocolar, coadjuvante. Apenas
aceitou servir aos interesses da orquestra em troca de, como se comprova hoje,
dinheiro!
Não foi dele a articulação do golpe. Foi a herança que lhe
caiu no colo por ter sido o vice na chapa vencedora.
A velha mídia
Cada um dos veículos de comunicação realizou seus solos
durante a execução da música.
Descontentes com a redistribuição de verbas da publicidade
oficial,entre outros motivos, tinham como meta derrubar o PT e destruir
qualquer possibilidade de uma quinta vitória à Presidência da República.
Isso ficou claro desde o primeiro governo Lula, na cobertura
da AP 470, o mensalão. A ideia era impedir Lula de se reeleger deixando-o
sangrar, como declarou FHC no ano de 2006.
Não surtiu efeito e o PT venceu as três eleições seguidas
ainda que boa parte da imprensa se engajasse nas campanhas de Alckmin, Serra e
Aécio. Sem resultado.
Para mim, a articulação intelectual do golpe, a organização
das ações e o planejamento estratégico de marketing se localizam na velha
mídia. Muito provavelmente na Rede Globo com participação e cooperação dos
outros veículos de comunicação golpistas.
Um ou mais cérebros pensantes comandam a execução da
sinfonia através de seus jornalistas e editores-chefes coordenando cada
instrumento da orquestra, cada nota, cada solfejo, cada tom, cada grave e cada
agudo.
Não é possível imaginar que um Juiz, um Procurador ou um
delegado da Polícia Federal, gente preparada para julgar, denunciar ou cumprir
mandatos, seja capaz de pensar nas formas como devem ser expostas suas ações técnicas
à população.
Quem acredita que partiu de Deltan Dalagnol a ideia de
montar a denúncia do PowerPoint para apresentação em entrevista coletiva?
Quem acredita que Sérgio Moro fosse capaz de vazar, por sua
própria conta e risco, o grampo entre Lula e Marisa e seus filhos, ou entre
Lula e Dilma, sabendo, como magistrado, da ilegalidade do ato? E no minuto
certo para a repercussão no jornal da noite... Só se tivesse certeza de não ser
punido.
Quem acredita que a Polícia Federal tivesse a genial ideia
de criar um agente-garoto-propaganda, o japonês, a cada prisão de petista? Ou montar
um aparato de SWAT, com helicópteros, máscaras ninja e sirenes para levar Lula,
um homem de 70 anos, a depor no aeroporto de Congonhas sob intensa cobertura,
desde a véspera, dos jornais?
Parece óbvio que o maestro era o condutor de cada gesto
destes três grupos de músicos e que eles, cada um em seu momento, foi mero
executor da partitura.
O mesmo se deu com Rodrigo Janot, com os 11 juízes do STF,
com o PMDB de Eduardo Cunha e michel temer e com a oposição.
Cada ato, cada palavra, cada entrevista, cada editorial cuidadosamente
elaborado para dar a sequência perfeita à melodia.
Então se deu o golpe, Dilma foi destituída e temer assumiu
com o compromisso de privatizar e reformar tudo o que fosse possível para pagar
pelo serviço aos grandes financiadores da derrubada de Dilma Rousseff: o mercado
financeiro e grandes empresas, incluídas as petroleiras estrangeiras ávidas
pelo Pré-Sal.
Mas, como nem sempre as orquestras terminam a música ao
mesmo tempo, solistas e coadjuvantes decidiram continuar a tocar. Desta vez sem
o maestro, que já não os controlava mais. Os músicos, diante da perda da
função, não queriam voltar ao obscurantismo, ao anonimato, às profundezas de
seus cargos públicos. Queriam mais, queriam tocar o que os fizesse continuar
protagonistas.
Isso não é apenas uma teoria.
Vejamos os fatos desde a queda de Dilma Rousseff.
1) Ainda útil, Sérgio Moro e seus Procuradores
concursados são mantidos em evidência apenas para tirar Lula da corrida
presidencial de 2018. Com grandes chances de vitória, Lula pode derrotar o
golpe. De nada terá valido tirar Dilma e permitir a vitória de Lula.
2) Um dos músicos menos ouvidos, entretanto, acaba
de demonstrar sua força. Rodrigo Janot.
Age sozinho, não é muito falante nem
aparece com frequência nas TVs e jornais. Certamente possuiu algum respaldo no
STF e na Procuradoria.
Foi ele que costurou a delação dos donos da
JBS com todo o cuidado para não cometer os erros primários, mas propositais, da
13° Vara Federal de Curitiba.
Com uma rede de proteção contra vazamentos,
envolveu um ou mais juízes do STF, delegados e agentes da PF e Procuradores sob
seu comando. Acertou a negociação de benefícios com os irmãos Batista, da JBS,
grampeou Senadores, Ministros do Supremo, Ministros da República e, até, o
Presidente temer.
Montou uma peça de acusação como deve ser,
com provas, documentos, áudios, vídeos, chips em malas de dinheiro previamente
numerado.
Tudo pronto, encaminhou o pedido de
inquérito ao Ministro Edson Fachin à revelia da Lava Jato e à revelia da
própria TV Globo.
Notem que o vazamento ao jornal O Globo
deixa claro que nem o conglomerado de mídia tinha conhecimento dos detalhes do
processo. O portal G1 vazou à tardezinha mas o Jornal Nacional só teve
conhecimento poucos momentos antes de entrar no ar. A ponto de os
apresentadores posarem com ar de surpresa a cada texto que liam no
teleprompter.
3) O STF sempre será o solista maior da orquestra.
É dele que saem as decisões que colorem com um ar de legalidade o golpe. Os
juízes sempre poderão anular o impeachment e responsabilizar os golpistas, não
faltarão argumentos para que 6 dos 11 desmontem a farsa. Por isso é importante
mantê-los sob controle do maestro. Por isso continuam diariamente expostos.
4) Sem utilidade, Eduardo Cunha é entregue a Moro e
vai preso. Sua esposa, Cláudia Cruz e sua filha, Daniele Dytz, nunca foram
indiciadas na Lava Jato. Certamente a pedido de Cunha e de quem o protege.
Mesmo preso, Cunha recebe mesada da JBS
para manter seu silêncio.
Já o Congresso, parcialmente comprometido
por idealismo ou dinheiro, se vê diante de seu maior dilema: aprovar medidas
contra os trabalhadores e não ser reeleito em 2018.
Além disso, os que receberam benefícios em
troca de apoio político podem ser presos caso percam o foro do STF.
A campanha 2018 para o Legislativo terá
muitas acusações dos adversários e muitos Deputados e Senadores, com certeza,
cairão. Tanto na direita quanto na esquerda.
De toda a orquestra, o Legislativo Federal
é o mais sensível à opinião pública, mas só alguns poucos candidatos serão
protegidos. Quais?
5) A oposição, PSDB, DEM e PPS, que esperava alguma
vantagem no processo golpista, também se viu arrastada para o epicentro da
delação da JBS. Num eventual governo tucano, Rodrigo Janot nunca seria
reconduzido ao cargo de Procurador Geral e desapareceria por completo. Talvez
essa seja a razão da inclusão de tucanos de penugem colorida.
Por falta de nomes, o PSDB deverá se lançar
numa viagem suicida se apostar em Doria ou Huck ou, quem sabe, apostar em
Bolsonaro ou Marina. Em qualquer cenário, perde espaço; seus poucos caciques foram
desabilitados, diferentemente do PT que ainda tem Lula.
6) michel temer foi arremessado ao fundo do palco,
sua partitura foi arrancada pelo jornalismo como quando um boi é atirado no rio
para atrair as piranhas.
Acabou, é apenas questão de tempo.
Completamente desmoralizado, apesar de alguns setores da imprensa ainda
tentarem salvá-lo, está sem qualquer apoio. Nem nos jornais, nem no Congresso,
nem nas ruas, onde nunca teve sustentação.
E a imprensa, e a Rede Globo?
Perdeu a articulação, o comando, a regência da orquestra.
Seu jornalismo passou a ser pontual, é notório que, pelo menos a Globo, perdeu
o controle de seus músicos. Talvez o erro tenha sido ignorar Janot ou, quem
sabe, ter dado muito holofote a outros intérpretes.
Um conjunto de erros nos trouxe até aqui. Permitiram que
solistas e coadjuvantes escolhessem sua partitura e cada um passou a tocar o
que bem quis.
Uma coisa é certa: a velha mídia, em especial a Rede Globo,
não vai permitir que Lula seja candidato. Se for, vai impedir que seja eleito.
Se ele ganhar, vai obstruir sua posse e, se tomar posse, vai querer derrubá-lo
com os meios que tiver. Qualquer um. Ou todos.
As manifestações públicas de Lula desde o processo de
impeachment são claras e diretas. Os ataques à mídia e a Globo são frequentes
e, caso a população o eleja, tomará medidas para tirar o poder imperial destes
grupos políticos travestido de jornalistas.
O Brasil está pegando fogo e tudo leva a crer que mais
gasolina será jogada na fogueira.
Venho construindo essa tese desde a noite em que foi
anunciada a vitória de Dilma Rousseff.
Para mim está bastante claro que a música que vimos ouvindo
não é a música que gostaríamos de ouvir apesar de setores da classe média
acreditarem que sim. Já vivemos momentos extremos de fragilização da Democracia
no passado, mas, hoje, uma forte divisão se apoderou da sociedade brasileira e
as consequências são incontroláveis.
Minha geração falhou.
Devíamos ter seguido a Argentina, Uruguai e, até, o
Paraguai, tínhamos que ter apurado, julgado e condenado àqueles que nos
roubaram a liberdade nos anos 60 e nos torturaram e mataram. Mas não.
Permitimos que continuassem livres e no poder; deixamos que se aliassem à velha
mídia e ao grande capital para produzirem mais pobres e miseráveis, para que
nos comandassem as mentes e nos conduzissem ao teatro para que assistir a uma
orquestra que não sabe tocar, para ouvir a música que não gostamos de ouvir,
para nos fazer conviver com o cinismo da Democracia e da Liberdade individual
que nunca existiu!