30 de mar. de 2014

1964: A FARSA DA COBERTURA 50 ANOS DEPOIS



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Quem lê a cobertura que a mídia corporativa faz do Golpe de Estado de 1964 e não viveu aquela época, ou não estudou a história do Brasil, verá uma distorção dos fatos. Até mesmo certos blogueiros ditos progressistas parecem ter esquecido o que se passou na véspera do golpe. Não se conta a verdadeira sequência dos fatos.

O golpe começou na renúncia de Jânio da Silva Quadros, um político carismático eleito ao encampar a bandeira da moralidade – a vassourinha, para limpar a política, era seu símbolo de campanha. Seu vice, eleito em chapa independente, foi João Goulart, ou Jango.

Em Agosto de 1961, Jânio divulga a carta dizendo-se vencido após sete meses de governo. Amparou sua renúncia na impossibilidade de seguir na presidência sem o apoio para varrer a corrupção, a mentira e a covardia. Anos mais tarde, assumiu ser um blefe e, segundo historiadores, foi uma tentativa de autogolpe.
Seu vice, João Goulart, havia sido enviado a China em missão oficial e sua volta ao Brasil teve que ser negociada com a UDN de Carlos Lacerda, ex-aliado de Jânio e líder da direita.
Lacerda e o ex-presidente Juscelino Kubitschek eram os mais cotados à eventual sucessão de Jango, caso houvesse eleições presidenciais que pudessem acalmar os ânimos pós-renúncia.

Três anos e meio depois, os militares tomam o governo pela via da força.

Basta traçar uma sequência histórica para perceber que desde a queda de Jânio estava sendo preparado o golpe. Talvez o golpe que o próprio Jânio Quadros estivesse tramando; sua popularidade credenciava-o a, possivelmente, fazer exigências que seus apoiadores não aceitaram. Ele acenava à direita e à esquerda, agradava os dois lados e buscava benefícios políticos de quem estivesse ao seu alcance.  
Este período histórico talvez nunca seja esclarecido devidamente.

Com a Guerra Fria no auge das (más) relações internacionais, sendo o Brasil um país estratégico para as pretensões do capitalismo; com a inteligência norteamericana funcionando a todo vapor, a CIA infiltrada em todos os governos latinoamericanos temendo a influência de Cuba e URSS, pode-se perfeitamente supor que forças civis locais deram respaldo e inflamaram lideranças militares para a tomada de poder. Com apoio financeiro e logístico da CIA, é claro! E com apoio da imprensa brasileira e ocidental, sem a menor dúvida!
Recentemente, documentos de 1961/2 revelaram atuação de John Fitzgerald Kennedy, presidente dos EUA, na política brasileira no sentido de interferir no curso do fortalecimento do capitalismo tupiniquim. Kennedy foi assassinado em Novembro de 1963, seis meses antes do golpe no Brasil!

Portanto, é cinismo dizer que os militares derrubaram o governo legítimo de João Goulart por conta própria, impulsionados pela Marcha da Família com Deus e pela insatisfação da classe média diante do temor do comunismo.

O golpe foi tramado pela classe empresarial do Brasil, financiado com dinheiro dos EUA, organizado minuciosamente por lideranças importantes, inclusive, da Igreja.
Não se pode culpar exclusivamente os militares – e esta afirmação não serve para eximi-los da culpa, ao contrário – pela afronta à democracia sem incluir nomes  que até hoje estão presentes na vida política nacional! E a imprensa, que acobertou os reais interesses norteamericanos na ruptura dos direitos civis para sacar benefícios econômicos e políticos.

Portanto, quando seres repugnantes afirmam que o momento político pré-golpe era de “impossível solução”, ou que a “situação política tinha deteriorado muito”, contribuem, apenas, para a manutenção da farsa que entrou para a história como um golpe meramente militar!
MENTIRA!

As citações entre aspas acima são de um sujeito que viveu o golpe, dizia-se de esquerda, atuou, ou diz ter atuado, na luta da redemocratização dos anos 80: o infeliz chama-se Fernando Henrique Cardoso.

Quantos governadores e prefeitos biônicos não são ativos na vida política de hoje? Quantos dos que colaboraram na articulação do golpe, com apoio financeiro, logístico e político, não estão no Congresso Nacional em 2014? Quantos jornalistas e donos de empresas de comunicação que hoje posam de democratas mas, até pouco tempo, ainda tratavam o golpe com revolução, ainda são poderosos formadores de opinião? Quantas empresas, bancos e indústrias, cresceram e se fortaleceram com dinheiro público entre 64 e 85 e, ainda assim, figuram como modelo de sucesso?

FHC, o hipócrita, teve a coragem de afirmar que “ninguém sabia de onde viria o golpe”.
Sabia, sim. Ele pode negar que soubesse, talvez até não tivesse, à época, estas informações. Mas hoje é impossível acreditar que a esquerda – com Cuba, China e URSS – tivesse um plano em andamento para levar o Brasil ao comunismo.
É inimaginável que um bando de generais e coronéis militares tivesse capacidade política de articular a tomada de poder sem o apoio da elite brasileira e dos meios de comunicação.
A prova foi a reação descoordenada que a resistência opôs ao golpe, sem organização, recursos, efetivo paramilitar e, até, liderança. Somente após 68 é que a militância comunista, finalmente, se organizou. E perdeu.

Desta forma, quando se fala dos 50 anos do golpe no Brasil é preciso incluir na lista de criminosos todos aqueles que dele participaram: militares, empresários, políticos, jornalistas, igreja, lideranças organizadas da sociedade civil: todos são igualmente responsáveis pelas torturas e mortes que se sucederam à ação ilegal por eles patrocinada.


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18 de mar. de 2014

A QUEM SERVE O JUDICIÁRIO, AFINAL?

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Por definição, o Poder Judiciário é aquele que regula os conflitos baseado na lei em vigor. Nas democracias modernas, serve para “garantir os direitos individuais, coletivos e sociais”, olhando exclusivamente para o texto constitucional vigente.

Pouco importa como pensa um juiz de primeira, segunda ou última instância: seu dever, enquanto funcionário público que vive dos impostos recolhidos do cidadão é emitir pareceres a respeito de conflitos baseados apenas e exclusivamente na lei.

Como ser humano, um juiz também comete erros. Aliás, é por esta razão que surgiu o advento da dupla instância de julgamento, para corrigir eventuais equívocos que se cometem ao longo de um processo judicial. Os recursos judiciais são sempre analisados por magistrados mais experientes e, supõe-se, isentos.

O que acontece no Brasil de hoje, diante da popularização de alguns membros do Judiciário, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, são distorções graves na interpretação de leis ou, diante dos holofotes que parte da imprensa acende sobre certos personagens do STF, tietando vergonhosamente uns e outros; certos juízes ultrapassam os limites que a Constituição lhes confere. De julgadores, tornaram-se produtores de sentenças! Suas decisões, em alguns casos, levam mais em conta a vontade individual de um único juiz que o texto legal.

É o caso da AP470.
No início, durante a análise da denúncia que o Procurador Geral, Dr Gurgel, ofereceu, a defesa dos réus pediu o desmembramento do processo para instâncias inferiores. Exatamente como garante a Lei, exatamente como fizeram os advogados dos réus da Ação Penal contra Eduardo Azeredo no mensalão tucano, então aceita sem qualquer discussão.

O relator, Mister Barbosa, aceitou no caso tucano mas rejeitou no caso petista: alegou que o processo dos réus petistas incluía a denúncia por formação de quadrilha e que toda a “quadrilha” deveria ser julgada numa única ação. Foi assim que se descumpriu a Lei; ao julgar civis sem foro privilegiado retirou o direito básico de defesa dos acusados!

E agora, Mister Barbosa, que o crime de formação de quadrilha foi definido improcedente, transitado em julgado, sem mais direito a apelações, como fica todo o processo?
Se na origem da AP470 houve um argumento desmontado no final e se, inexistindo a “quadrilha” a que se referiu o relator, não há mais razão para ter mantido a ação no STF, os réus condenados sem direito a segunda análise seguirão condenados mesmo tendo perdido o direito à defesa?

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