22 de nov. de 2013

HÁ HOMENS E HÁ RATOS!




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As prisões de Dirceu, Genoino e Delúbio, no dia da Proclamação da República, é um fato histórico da maior importância para a frágil democracia brasileira.

Punhos erguidos, os réus de uma ação julgada pelo Supremo Tribunal Federal entregaram-se à polícia assumindo a postura altiva de quem lutou pela democracia.

A mídia fundamentalista, comunicada da decretação das prisões antes mesmo da Policia Federal, ávida por algemas e lágrimas, não gravou o que pretendia. Pelo contrário, o rosto dos presos era sereno, mesmo o de José Genoino, enfermo, consciente do significado do gesto. Uma vida inteira de luta por direitos alcançados em troca de torturas e sangue, no dia 15 de Novembro, culminou na condução ao cárcere por razões políticas.

Meticulosamente o Presidente do STF, Mister J. Barbosa, desenhou o formato da vingança com vícios premeditados e primários, da mesma forma que procedera durante o julgamento da AP470: datas e horas propícias para amplificar a culpa de quem ele sonhava prender; arriscou-se a ultrapassar os limites da lei – foi criticado por juristas, OAB e pares do STF – com o claro objetivo de promover seu ego às alturas diante de uma plateia inconformada com as transformações sociais que o Brasil passou na última década. Ou de satisfazer, quem sabe, interesses inconfessáveis.

Mas há um erro infantil em tudo isso, uma falta de compreensão política que as oposições e a imprensa, além de Mister. J. Barbosa, não souberam alcançar: não se cala um idealista!

Em momentos mais perigosos da história estes mesmos homens colocaram suas vidas em risco e lutaram, não por si, não por suas individualidades, mas por um ideal de justiça e liberdade. Enfrentaram prisão e tortura por algo intangível que, para quem se dispõe a entregar a vida, a sublime recompensa da luta é lutar.

Não são aventureiros, como devem supor seus algozes, não se curvam e não vertem lágrimas: apenas lutam.

Difícil para quem os odeia é engolir a altivez de um idealista. O rancor pede humilhação e morte, assim como ocorreu nos anos de chumbo quando a direita não tolerava pensamentos progressistas.  Nunca conseguirão compreender o que leva um homem ou uma mulher a manter-se calado durante uma sessão de tortura; muitos tombaram sem denunciar companheiros unicamente pelo ideal de transformação e justiça.

Fico imaginando o quanto devem sonhar os presos de Mister. J. Barbosa com a oportunidade de voltar à luta; o sabor da guerra, agora que não são mais tão jovens, deve ser especial. Pouco importa a vida, o que vale é vislumbrar a liberdade.

Ao erguer o punho para as imagens de TVs, assumem a postura que nunca deixaram de ter: há homens e há ratos; a diferença está no comportamento de cada um.

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16 de nov. de 2013

A METAMORFOSE DE JOAQUIM

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ou
EU SOU O PODER

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Aconteceu no exato instante que pressionei a tecla POWER do controle remoto: um arrepio intenso partiu de minha nuca e correu meu corpo com uma velocidade e calor cruéis como nunca havia sentido antes! Fez meu corpo pesado estremecer na poltrona diante da TV como um choque, um golpe atinge minha cabeça com uma força descomunal.

Não posso abrir os olhos; a sala do meu apartamento funcional grita um silêncio aterrorizante e me paralisa. Minha amada dorme no quarto que parece estar distante um milhão de quilômetros de onde estou, quero gritar para que me ouça, que me acuda com a urgência que o momento exige: não há voz em minha garganta nem sei se estou sendo capaz de respirar para encher meus pulmões de oxigênio e urrar por socorro. Sou uma presa nas garras do predador!

Minha mãe não está comigo, preciso de você, te quero agora junto a mim, onde está para que me aninhe em teus braços e me embale com tua humildade singela, tão materna, para me amparar no momento da minha morte?

Sinto que não poderei resistir! Estou terminando, sobrevivo com o resto de ar impuro que ainda está dentro de mim, o tempo se esvai, meus poucos segundos de vida teimam em voar na velocidade da luz! Não quero morrer, mãe, onde está você?

Meu Deus me proteja, não sei se já morri mas não sinto mais o arrepio, só uma dor de cabeça que produz um zunido agudo em meus tímpanos; o choque terminou e, no entanto, acredito que ainda estou vivo ... mãezinha, é você? O ar passa por minha garganta e me queima a traqueia, é um sopro de vida que mantém a consciência. Apesar de paralisado, sei que estou vivo! Meu Deus, obrigado ... quero abrir os olhos mas não consigo, estão pesados e minhas pálpebras insistem em não se mover. Minha amada, preciso de você, acorde ...

Não tenho certeza se consegui abrir os olhos, tenho a sensação de que posso ver, é maravilhoso perceber o retorno à vida como um milagre ... minha mão agarra com força o braço da poltrona e, apesar de estar só, a mão que vejo é branca! Não sou eu! Qual Demônio, de tantos que me atormentam desde pequeno, me possui? Não sou quem penso ser, em quê me transformei?

Perco o controle sobre minhas emoções, não sei mais reagir, quero correr de onde estou, preciso fugir de mim e tudo o que me vem à mente, agora, é Franz Kafka! Enlouqueço, preciso me concentrar, que diabos Kafka faz dentro de mim?

Por impulso, num salto acrobático, me lanço da poltrona e corro para o banheiro. Um espelho, preciso de um espelho! Vôo como se tivesse asas, não tenho mais o carpete sob meus pés! Minhas antenas me guiam e  alcanço meu objetivo.

Grito. Não sinto o ar partindo de mim para ecoar meu desespero, nem ouço meu próprio som. Mas grito tão alto para que minha mãe posso vir saber o que restou de mim. Kafka! Como adoraria ter me transformado numa barata ... mas não sou um inseto, continuo gente, estou branco, onde está minha negritude que tanto me orgulha? Onde foram parar meus pensamentos, meus conceitos de bem e de mal, minha honra e meu regozijo por chegar onde cheguei?

Com minhas pequenas mãos brancas tento esfregar os olhos mas a imagem do espelho permanece a mesma. Uma transformação, uma metamorfose, um castigo divino, uma açoite de culpa, um tiro, um enforcamento me imobiliza não o corpo, mas a alma ... é um demônio, estou sendo possuído! Minha mãe, te imploro para que me salve!

Pregado numa cruz diante do espelho, tento desviar o olhar mas não consigo. Meus olhos me sufocam, me julgam e me condenam. Finalmente, minha mãezinha surge. Não a vejo mas sinto que está aqui. Ouço sua voz, uma lamúria de sofrimento diante de seu filho aprisionado em sua própria mente, ela me conforta e me acaricia o cabelo com suas mãos macias, me traz a paz que tanto preciso. Me leve consigo, te imploro, digo sem voz. Em sua imensa sabedoria ela sussurra em meu ouvido que estará comigo sempre que for preciso mas que não pode me libertar. A imagem que vejo no espelho sou eu mesmo, apesar de não me reconhecer naquele corpo. É meu pecado, são meus erros materializados numa imagem que me atormenta e me prende num cárcere inexpugnável dentro de mim. Não posso fugir daquilo que sou e que só eu sei que sou!

Minha mãe se vai com a mesma tranquilidade como chegou. Estou só novamente. Minhas pernas parecem sentir o sangue correr e me movimento, uma tentativa de dar um passo atrás e me afasto do espelho. A imagem refletida se move comigo, aquele homem branco, que sou eu, tem a expressão serena que me faz acreditar que posso apagá-lo do espelho. Me afasto, lentamente passo pela porta até não poder mais vê-lo e volto para a poltrona onde estava antes do choque; a TV está ligada, eu a apaguei? Estou confuso, quero me concentrar nas imagens que vejo, quero voltar à realidade, sair do pesadelo que me fez acreditar que estava morto ...

É ele que vejo nas imagens em HD: é aquele que se apossou de meu espelho e de mim. Ele caminha cercado por pessoas de uniforme, uma multidão grita coisas que não consigo entender, há luzes e câmeras de milhões de fotógrafos que tentam uma exclusiva. Ele é branco, eu sou branco, ele me olha, eu me olho ... o que está acontecendo, eu o conheço, sei tudo de sua vida como se fosse a minha própria, sou eu? É ele meu pecado? O que foi que você me disse, mãe?

Fecho os olhos que não tinha certeza se estavam abertos.
Da TV, apenas ouço a cobertura da prisão de um tal Zé de alguma coisa. Não posso me saber aprisionado por mim mesmo. Preciso me manter puro, ser admirado e me orgulho de ser quem sou, ainda que ninguém saiba dos meus demônios e dos meus pecados. Não sou aquele sujeito preso pela polícia, me sinto um Rei, tenho poder e sou reconhecido como justo. Isso me basta, isso sempre me bastou!

Estou feliz, agora volto ao normal pouco a pouco, minha aura superior retorna e me envolve como uma capa de reconhecimento que exigo que tenham de mim. Não sou aquele homem branco do espelho. Ele é um Zé, meu nome é Joaquim!

Levanto da poltrona sem desligar a TV, não posso arriscar. Vou para o leito de minha amada que dorme sem saber o que me passou. Não vou lhe dizer, ela não precisa conhecer minha consciência, minhas impurezas e fraquezas. Ela me ama! Sou amado por muitos e por mim.

No corredor, que me levará à cama de minha mulher, a porta do banheiro está entreaberta. Lá dentro, sei que há um espelho. Uma barreira que preciso ultrapassar. Guardo minhas mãos no bolso da calça, não quero vê-las! Estou seguro, devem estar negras como sempre foram, mas não quero vê-las. Aperto o passo; num esforço hercúleo mantenho meu pescoço virado para o lado oposto ao espelho, como uma barata rastejo pelo chão, ele não deve estar mais lá, mas ...

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7 de nov. de 2013

A PUNHALADA



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Migrant Mother: mãe de 7 filhos, viúva, em busca de trabalho em março de 1936, na Califórnia



Na Grande Depressão de 1.929, o governo dos EUA enfrentou a pior crise do século XX com dinheiro público. A história reporta que o então presidente americano, Herbert Hoover, ordenou inúmeros gastos públicos: abriram estradas, ergueram prédios e praças, financiaram a indústria automobilística recém surgida, construiu a Represa Hoover, aumentou de 25% para 63% o suporte em impostos corporativos, tudo com o claro objetivo de fazer circular dinheiro e gerar emprego para a massa desesperada de cidadãos que viram-se à beira da falência.

Em 2.008 não foi diferente. Se 29 deu o start para a criação de Bancos Centrais para controlar os movimentos de capitais, nesta crise da década passada – que se arrasta até hoje – os instrumentos são praticamente os mesmos: gastos públicos para “girar” a economia. É bem verdade que os governos dos países ricos privilegiam o grande capital ao invés do emprego, por isso a Europa sofre ainda mais com a pior crise da história do capitalismo.

A diferença para o Brasil é que o enfrentamento aqui se deu – e ainda se dá – com o claro objetivo de gerar empregos e repartir renda e os resultados positivos são evidentes. Foi Lula que começou com as desonerações fiscais à indústria automobilística e construção civil, e o acordo trazia implícita a obrigatoriedade de não demitir pessoal. Funcionou; a crise no Brasil e nos demais países que não seguiram a ortodoxia financeira de Wall Street passam sem maiores problemas internos diante do grave quadro mundial.

Desta forma, o Brasil, como os demais emergentes, foi capaz de suportar a instabilidade vinda dos países ricos sem aumentar a dívida social interna, pelo contrário, reduzindo drasticamente a miséria e a pobreza ainda que com o mundo em crise.
Então, qual a razão das manifestações de junho, com milhares de pessoas protestando contra “o que está aí”?

A PUNHALADA NA DEMOCRACIA

Tenho lido diversas análises sobre o assunto, das mais variadas correntes políticas, de veículos de comunicação do Brasil e do exterior, e não há qualquer conclusão lógica a respeito da insatisfação generalizada que tomou as ruas das maiores cidades do país.

Minha hipótese, como mero observador, é que a insatisfação não é generalizada. É pontual e teve seu ruído amplificado por setores da mídia que pretenderam insuflar manifestações com claros objetivos: enfraquecer o governo Dilma Rousseff e o PT. 
Apesar do êxito aparente, pouco sobrou da insatisfação popular pós- Copa das Confederações. O movimento parece ter perdido a força da rua e se amontoa nas redes sociais de forma tão atabalhoada e desorganizada quanto no início. Cada um fala por si; cada um tem sua própria pauta de reivindicações. São da ordem de uma centena de pessoas, hoje, as “passeatas” em São Paulo e Rio de Janeiro. Insignificante, não fosse a cobertura jornalística.

Se levarmos em conta as ações da oposição a este governo e, lá atrás, contra Lula, sobretudo dos meios de comunicação, notaremos que abusaram das tentativas de impedir a continuidade do PT no Palácio do Planalto. Sem sucesso. Então, no final de 2012, com a eleição de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo, maior reduto do conservadorismo entre as capitais, ficou claro que Lula ainda tinha prestígio, força e poder de eleger um desconhecido. Não foi pouca coisa a vitória contra José Serra, talvez a liderança de oposição mais conhecida no Brasil e, principalmente, no curral eleitoral tucano.

Então o MPL – Movimento Passe Livre – surge no momento do reajuste de tarifas de ônibus e leva às ruas sua velha reivindicação de gratuidade no transporte coletivo. É bom lembrar que o MPL é uma organização que atuou ao lado de Haddad na campanha e que sempre realizou este tipo de manifestação quando dos reajustes de tarifa anteriores.
Um movimento organizado com uma pauta definida saiu mobilizado pelas redes sociais e, na rua, viu apoio de milhares de pessoas que... não usam transporte público!

Estranho?
Claro que não.
O trabalhador, até mesmo o informal, recebe subsídio para o transporte, os estudantes pagam meia; idosos, nada pagam.
Quem eram as pessoas que saíram com cartazes com os mais diversos slogans, pedidos, até ofensas? A parcela mais reacionária da classe média!
É preciso admitir que não são poucas as pessoas que se identificam com o retrocesso, sobretudo nos grandes centros urbanos; ter que dividir assentos de avião com o porteiro do prédio onde reside ou, no trânsito, parar ao lado do carro do jardineiro! São situações que disparam um ódio (nem sempre) adormecido contra parcela da sociedade menos favorecida, em geral, nordestinos, negros, pobres e moradores das periferias.

Daí surge uma conclusão deste blog:
A mais surpreendente – no meu ponto de vista, a mais infeliz – é que as manifestações se deram mais pelos acertos que pelos erros deste governo.
A nova classe média atingiu em cheio a velha: a insatisfação é visível.

As consequências de junho são imprevisíveis, apesar da total falta de oposição no Brasil.
Via redes sociais, já percebo um movimento de “libertação” de tudo que ficou reprimido pela classe média: de forma aberta, pedem a volta do regime militar, o fim do voto para beneficiários do Bolsa Família, a derrubada do governo central e do partido que foi eleito para dirigir a Nação; exigem até que o STF não cumpra a Lei, que recuse a apelação a sentenças criminais!

Mas não apresentam alternativas; pedem melhor educação e saúde mas não existem propostas melhores dos que as que existem, nem a fonte de financiamento dos recursos, nem um nome ou partido capaz de sintetizar os anseios da população “cansada de tudo que está aí”.

A impressão que resta é o desejo – que, aos poucos, mostra a face – de derrubar um governo eleito pela via democrática e que, ao que indicam pesquisas recentes, tem enormes chance de se reeleger em 2014.

Que derrubem, então, mas pelo voto!
A sociedade organizada brasileira, os trabalhadores, estudantes, sindicatos e associações não aceitarão uma punhalada na democracia.
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