***
Num local muito, muito distante, no Reino de Saiog, nasceu
um menino chamado Charles Cascata, filho de Dona Maria José. Mulher simples,
mas honrada, criou o filho como podia; a vida na região do Burgo de Ainaiog,
capital do Reino de Saiog, nunca foi fácil.
Desde pequeno Charles preocupava a mãe com as molecagens que
fazia. Na escola infantil, roubava lápis e canetas dos coleguinhas; mentia para
a professora ao fingir estar doente para justificar as faltas. Costumava pular
o muro da escola para ir jogar futebol na rua com os vizinhos do Burgo de
Ainaiog. Ele havia roubado uma bola na feira e, porisso, tinha o privilégio de
escolher os melhores jogadores para seu time.
Adolescente, Charles passou a roubar galinhas e porcos. Não
satisfeito, surrupiava cavalos e carruagens. Depois, baús com joias. Envolveu-se
com o jogo ilegal de dados e fez muitos amigos no mundo do crime. Falsificava
os boletins da escola para que sua mãe não soubesse de suas notas baixas. Formou
sua quadrilha de bandidos aos 16 anos de idade, com uma turma barra pesada.
Aos 21 anos, já era temido nas ruas de Ainaiog. Sua rede de
poder era composta por membros influentes
do Burgo. Apesar de plebeu, Cascata tinha fortes relações com nobres do Reino
de Saiog e conhecia o ponto fraco de todos eles: Moedas de Ouro!
Fez de Demócrito Bispo, princeps
senatus, seu representante no Senatum.
Demócrito fazia discursos acalorados e acusatórios contra os membros do Reino
de Saiog que não o apoiavam. Aos olhos do povo, era considerado herói e
honesto. Admirava a forma inteligente e sagaz de cascata conseguir tudo o que
queria.
Jumar Sandes era o judex
supremus de Saiog. Membro da Alta Corte de Conselheiros do Rei e renomado defensor
da justiça, Sandes era a base legal para impedir que o jogo de dados fosse denunciado
pelos guardiões do Reino. Mantinha relações estreitas com Cascata, sempre às
escondidas para não levantar suspeitas entre os demais nobres. Uma
ocasião, a pedido de Cascata, mandou soltar o poderoso banqueiro Duncan Donuts aprisionado pelos guardiões. Por duas vezes, desceu à masmorra para fazer
cumprir sua ordem. Era duro com seus inimigos mas dócil com os amigos.
Com o proconsul
governatorius do Reino de Saiog, Otoni Cirillo, cuja influência era grande
na região, tinha mais intimidade. Frequentava sua casa, estava presente nas
refeições com outros membros da família Cirillo e, nas festas, fazia-se se
passar por nobre. Comprou a casa de Cirillo numa operação fraudulenta que
envolveu a soma de 14 moedas. Era visto frequentemente deglutindo assados e bebendo vinho, rodeado de mulheres e serviçais na casa que pertencera a Otoni Cirillo.
Com a ajuda dos nobres, Cascata fundou a Beta Construtorium, ferramentaria que se
dedicava ao ramo da construção de casas no vilarejo de Ainaiog e, logo, passou
a construir obras para o Reino. Claro, a preços muito mais elevados, tudo em
comum acordo ao proconsul governatorius Cirillo.
Assim, suas riquezas aumentavam e, com ela, seu poder.
Mas também estava às voltas com gente do povo, plebeus como
ele, pessoas sem caráter e ambiciosas que Cascata sabia controlar.
Aliou-se a Idelbório Matoso, conhecido como Dedé, ex
guardião do Reino, cuja audição era sua maior virtude; costumava se espreitar
pelos corredores dos Palácios para ouvir conversas dos inimigos. Era rude e
cruel, usava suas habilidades para chantagear qualquer pessoa que pudesse lhe
render algumas moedas.
Para garantir que sua imagem não fosse manchada pelos
malfeitos que fazia, Cascata usou a influência de Jumar Sandes, o defensor da
justiça, para se tornar amigo do responsável pela Vigiatum,
uma espécie de informe escrito em pergaminho distribuído por todo o Reino, que
gozava de certo prestígio até então. Metacarpo Filho era o diretor da sucursal Saiog da Vigiatum, quem ditava as regras
e escolhia o que seria ou não escrito.
Costumava se encontrar com Cascata antes de mandar pregar os
pergaminhos nos postes do Reino para saber o que deveria escrever. Era comum
combinarem denúncias contra aqueles que não faziam parte da turma, inventavam
mentiras e calúnias e, quando a notícia se espalhava pelos Burgos, o princeps senatus Demócrito subia à
tribuna do Senatum para acusar os
desafetos de Cascata.
Um perfeito teatro dramático.
Assim, com a ajuda de todas as pessoas de sua rede, Cascata
esteve prestes a se tornar a pessoa mais importante do Reino de Saiog. Com as
moedas que provinham do jogo ilegal de dados, pagava muito bem seus colaboradores,
comprando sua fidelidade e silêncio. Era como se todas as portas se abrissem
para Cascata e só ele pudesse escolher quem passaria por elas.
Todo este poder o fez perder a noção dos riscos que corria.
Com o passar do tempo, os guardiões começaram a desconfiar que Cascata estava
envolvido com gente perigosa e começaram a segui-lo. Por todo o Reino
espalharam guardiões para ouvir o que se tramava atrás das portas dos castelos.
O guardião Protóbius Quiroga, cujo raciocínio lógico era exemplar, denunciou
Charles Cascata e toda a quadrilha ao Rei de Saiog assim que tomou conhecimento dos conchavos, subornos e atos de corrupção que Cascata operava.
Assim, deu-se a limpeza dos criminosos. Recolhidos à
masmorra, todos eles foram condenados a prisão com trabalhos forçados.
Charles Cascata, Metacarpo Filho e Idalbório Matoso,
plebeus, compartilham a mesma cela e passam os dias trabalhando na reforma das pontes
elevadiças do Reino. Nos momentos de descanço, jogam dados e fazem apostas.
Demócrito Bispo foi mandado para um Burgo longínquo a mando do Rei.
Trabalha na colheita de batatas e, enquanto as recolhe, recita os discursos que
costumava fazer na tribuna do Senatum.
Jumar Sandes recusou-se a trabalhar, porisso o deixaram
acorrentado pelas mãos e sobrevive a pão e água. Por causa do castigo, sua
saúde está ficando frágil. Adora ofender os guardiões que lhe trazem comida; nem mesmo sua posição de condenado reduziu-lhe a arrogância.
Otoni Cirillo conseguiu perdão do Rei, mas teve o título de
nobreza cassado e vive pelas ruas como mendigo. Há quem jura tê-lo visto andando
com bêbados e roubando galinhas.
A Vigiatum deixou
de ser distribuída e ninguém no Reino de Saiog sente falta.
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário